A capoeira hoje esta em 150 países, lá fora, em outros países, tem faculdades de capoeira, e no Brasil, eu pergunto, Cadê as faculdades de Capoeira?
Entrevista muito bacana com Mororó, mestre da capoeira. O Professor Mororó fala de forma muito clara e objetiva sobre a capoeira em Iguatu e no país, a sua importância no dia a dia e todas as suas características. Vale a pena acompanhar!
Entrevista com Mororó, grande mestre, grande Professor de capoeira, formado, corda azul, que há quase 20 anos desenvolve trabalhos de capoeira para crianças e adolescentes de Iguatu.
Nome: José Wellington Mathias Paulo, 38 anos, casado com Maria Samara do Carmo e pai de Wesliton Matias Paulo. Família de capoeiristas que dedicam sua vida a atividade da Capoeira.
Veja a entrevista!!!!
Redação: Como você conheceu a capoeira, quando iniciou e como foi a sua trajetória?
Mororó: Quando eu comecei a capoeira, na verdade eu detestava capoeira, por que de tanto que eu ouvi as pessoas falar que era coisa de marginal, Eu não conhecia e falava muito mal da capoeira. Mas um dia eu fui conhecer e passei a conhecer e comecei a praticar, isso em 96, esse ano faz 19 anos que eu treino capoeira e faz 18 anos que eu ensino.
Redação: Como você define a palavra capoeira?
Mororó: A palavra capoeira, na verdade é bem interessante porque a palavra capoeira é um mato-ralo, todo mundo conhece capoeira como matu-ralo, ou aquela galinha capoeira. Mas tudo sempre tem uma coisa haver com a outra porque quando um negro fugia, diziam que o negro fugia pras capoeiras, dai surgiu a palavra capoeira. Jogo de capoeira, pra mim capoeira é isso o negro fugindo, fugindo da opressão, fugindo das senzalas até conseguir a sua liberdade.
Redação: É o que a capoeira representa na sua vida?
Mororó: Capoeira pra mim hoje é tudo. É família, é aluno, é filho, é mãe, é pai, é formação de cidadão, Capoeira é vida como mestre martinha falava, é vida. Quem vive a capoeira sabe do que eu estou falando porque esta transformando a vida de muita gente, e a minha vida foi uma das que foi transformada.
Redação: E os projetos, fala um pouco dos projetos que você vem realizando.
Mororó: Hoje, eu vivo de vários projetos. Tem um Projeto no Sesc, que funciona na Escola Marista, aqui na Comunidade do João Paulo II, onde eu resido. Tenho trabalhos dentro do Mais Educação, e com muita batalha eu consegui, 200h dentro da Educação, Capoeira com a Educação de dentro das escolas. Trabalho muito bem desenvolvido por nós há 08 anos.
Redação: O que nós podemos aprender com a Capoeira?
Mororó: Podemos aprender a lutar, a dançar, a cantar, a jogar, a ganhar, a perder, a cair, a levantar, e acima de tudo a respeitar.
Redação: 18 anos de Capoeira, lógico que teve muitas rodas. Qual assim alguma que foi inesquecível pra você?
Mororó: Toda roda de Capoeira pra mim é boa, toda roda eu me arrepio, mas sempre tem aquela que deixa a marca. Teve uma que nós fizemos aqui no Iguatu, o chamado Encontro Nacional de Capoeira*, realizado aqui em Iguatu, onde veio muitos capoeirista de vários estados, capitais, cidades, foi no ano de 1999. Então foi um evento muito bonito. Foi inesquecível esse evento.
Redação: Quem pode fazer capoeira, a partir de que idade?
Mororó: Capoeira não tem idade. Meu filho, eu brinco muito, que meu filho, ele aprendeu a capoeira ainda na barriga da mãe dele. Então a capoeira tem começo e não tem fim, não tem idade, de 100 anos podendo treinar capoeira, pode treinar, por que é uma coisa que a cada dia, quem pratica, quem conhece, desperta algo novo, a capoeira você nunca aprende a capoeira toda, tem que treina todo dia pra aprender todo dia.
Redação: Você falou do Projeto da capoeira nas escolas. Você defende a ideia do ensino da capoeira em todas as escolas?
Mororó: defendo, defendo porque eu vivo isso hoje, e defendo porque tem que ser visto quem trabalha nas escolas, o profissional que esta trabalhando nas escolas, porque a capoeira pode ser uma coisa boa, mas também pode ser uma coisa ruim, dependendo do profissional que vai ensinar nessa escola.
Redação: Qual o seu olhar da capoeira em Iguatu?
Mororó: A Capoeira em Iguatu tem crescido muito. Já vieram vários grupos pra cá, mas sempre vem e acaba, nesses 20 anos eu vi muita gente parar, gente começar, mas também vi a capoeira conquistar muitos espaços. A Capoeira Começou no Art Criança, (Projeto Social existente no Iguatu, quase 20 Anos) com Cleidon. Mas hoje a capoeira, não só através de mim, como também de outros professores, está ganhando o Iguatu por completo, não só na educação, seja na área das religiões, seja na área cultural, na área social, seja na classe media, na classe alta, a capoeira esta crescendo muito. A capoeira não ter cor não tem idade, sexo, não tem classe social.
Redação: Quais são as maiores dificuldades enfrentadas pelos capoeiristas no Iguatu?
Mororó: As maiores dificuldades, não posso falar por todos, mas posso falar por mim, capoeirista Mororó, é o apoio, a confiança, o trabalho, por que muita gente pensa que matricula um filho hoje na capoeira, e a manha ele esta um santo. E não é assim! È uma vida de trabalho, é uma vida de decepção, agente se decepciona muito com alguns alunos, e muitas vezes poucos você consegue formar.
Redação: Por que os jovens procuram a capoeira? Qual o perfil dos capoeiristas do Iguatu?
Mororó: o jovem procura a capoeira por que é um esporte completo. Ele toca, ele canta, ele joga, ele dança, ele pula, ele é um compositor é um poeta, por isso que ele procura. Hoje no Iguatu, o perfil do capoeirista é um capoeirista, fugaz, ele é um capoeirista que hoje ele busca aprender mais, é um capoeirista que é amigo, como você pode ver aqui é uma família, capoeira é família.
Redação: existem pessoas que desejam aprender a capoeira de forma violenta?
Mororó, na verdade chegam muitos capoeiristas que querem aprender a capoeira pra sair dando porrada por ai. Com o intuito de querer aprender para “poder bater no meu vizinho ou no meu amigo”, “por que eu apanhei”, ai aonde vem o profissional, ele entra com essa ideologia e sai com outra. Na Capoeira você aprende a perder e a ganhar, nesse a perder e a ganhar, você aprende a respeitar.
Redação: Qual o perfil socioeconômico dos praticantes da capoeira.
Mororó: Hoje nós temos todos os perfis, nos temos a classe media, temos a classe baixa, a classe alta, sem preconceito, todo mundo junto por um único objetivo, que é de ajudar o outro,
Redação: Sabemos que a capoeira veio da África, trazida pelos negros quando chegou ao Brasil na época do Período Colonial, da época em que os negros eram escravizados, e todos nós sabemos que os afrodescendentes, no Brasil infelizmente ainda são estigmatizados, onde o preconceito ainda prevalece e a capoeira não deve ser diferente, apesar de hoje ser divulgada a diversidade da capoeira para todos independente de raça, classe social, sexo, credo, etc., A pergunta é, hoje ainda existe na capoeira, algum resquício desse preconceito, desse estigma, de que é uma atividade para negros?
Mororó: Existe, infelizmente por falta de informação, a capoeira hoje esta em 150 países, lá fora, em outros países, tem faculdades de capoeira, e no Brasil, eu pergunto, Cadê as faculdades de Capoeira? Hoje os melhores capoeiristas do Brasil, estão fora do Brasil, porque o Brasil mesmo não apoia, não investe, não incentiva, e isso eu creio que se deve ao preconceito que existe ainda. Exatamente pela falta de conhecimento de informação sobre a capoeira, as origens, os benefícios, os estudos, se o brasileiro tiver outro olhar para essa atividade, vai ver que a Capoeira, esta no sangue do brasileiro.
Redação: Existem, na indústria cinematográfica, filmes que reproduzem esse estigma que distorcem a ideia da capoeira como arte marcial, atividade de luta de defesa pessoal, que faz apologia à violência, você acredita que Filmes como esse reforça esse estigma, que a sociedade tem da capoeira. Como uma atividade violenta.
Mororó: É bem complicado falar sobre capoeira luta. Existe, mas tem que ter a capoeira educação, capoeira formação, pra chegar à capoeira luta, e isso tem uma diferença muito grande porque pra se chegar tem que ter todo uma formação. Onde é trabalhado que se perder ou ganhar, o que prevalece é o respeito. Perdendo ou ganhando o lutador saiba respeitar o seu oponente. A capoeira luta hoje infelizmente muitas vezes acaba banalizando a capoeira.
Redação: Qual o papel da capoeira para ressocialização de jovens envolvidos com atos ilícitos você tem um depoimento de êxito?
Mororó: Tenho o meu depoimento. Nos meus 12 anos aos 17 anos eu me envolvi com droga, eu passava noites fora de casa, bagunçava muito, brigava muito, alguns dos meu alunos podem dizer, viu a minha vida ser arruinada durante anos, e o meu professor, conseguiu mudar, ele viu em mim, o que muitas pessoas não viam, até a minha mãe não via. Eu cheguei a ser preso, eu dormi em cadeira, isso faz parte da minha historia, mas ele foi o único cara que me deu a mão, que me deu oportunidade de ficar do lado dele, e ainda confiou mais, que eu começasse a dar aula, então, eu era um garoto dando aula para garotos, eu era um garoto irresponsável dando aula de capoeira, que aos poucos fui me transformando na pessoa que sou hoje, ele me deu responsabilidades, e eu acredito que a capoeira vai auxiliar de forma positiva na reeducação de jovens que se envolvem no crime.
Redação: Você é a favor da redução da maioridade penal?
Mororó: É bem complexo, nós não temos cadeia nem para as pessoas que já tem a sua maioridade e que se envolvem nos crimes, imagina pra esses meninos, que vão estar se formando marginais lá dentro, eu também tenho alunos que infelizmente hoje estão presos, e eu converso com todos eles, alunos meus que viviam na minha casa, que respeita minha casa, meus alunos, minha família, meu filho, mas que hoje estão presos por escolhas da vida deles, e que saíram de lá, formados no crime, por que o que eu vejo bem , é que não é só prender, se prender e educar da certo, mas só prender sem ter nada la dentro? Nada, vão sair de lá formados no crime. São anos que vão passar presos, são anos que só vão escutar coisas ruins, imagina você esta aqui na sua casa, e só escutando coisas ruins, como é que você vai sair da sua casa? É a mesma coisa eu você chegar a uma família que não tem estrutura, o pai é drogado, a mãe é viciada, e o filho tenta de varias formas sair, ele não vai conseguir, por que é o que ele ver todo dia. E a capoeira, e não somente a capoeira, mas em muitos esportes, ferramentas que ajudam a recuperar esse adolescente… As pessoas precisam entender que a formação, que a mudança ela precisa acontecer, as pessoas fala que a criança é o futuro da nação, mas pra que a criança seja esse futuro, ela precisa ter um presente, não adiante fechar os olhos e querer que a crianças seja um exemplo, se eu não ofereço condições para isso. Agente precisa fazer esse presente, porque as nossas crianças estão se perdendo.
Redação: Existe uma corrente que tem como intuito, tornar a capoeira um esporte, inclusive inserido em competições mundiais, como as olimpíadas, você acredita que será um ganho para a capoeira, ou fugiria ao espirito cultural que envolve a dança, a musica, o ritual?
Mororó: Eu, Mororó, eu acharia muito viável, que a capoeira fosse para uma olimpíada eu acharia, muito legal, mas pensando em mim, porém pensando nos mestre mais antigos, cada um tem a sua filosofia de vida, todos os mestre hoje tem a sua história, todo mestre tem uma historia, e eles teriam que abrir mão de sua história, pra seguir uma proposta que seria mandado por outros e não por eles, que não necessariamente faria parte dessa construção da história de cada mestre, que você ver hoje.
Redação: Você falou no inicio da capoeira envolvida com as religiões, ela avançou de uma maneira que os evangélicos, já atem desenvolvem trabalhos nas igrejas, fala um pouco disso. Como os evangélicos veem a capoeira, com relação as musicas tradicionais usada nas rodas de capoeira. Que tipo de eventos, tem uma situação especifica para os evangélicos, como funciona isso?
Mororó: Capoeira e os evangélicos é um assunto complexo, pois vem muito de quem ensina, se você for à Bahia, a capoeira é coisa de macumbeiro, se você for pra Recife, capoeira é coisa de candomblé, mas eu digo pra vocês que a capoeira nunca teve, e não posse dizer com toda certeza, mas pelo que eu leio a capoeira não tem religião, depende muito de quem joga, surgiu dos negros, e qual eras a religião dos negros, na época, candomblé ou umbanda, era a religião deles, mas ai as pessoas iram reproduzir as suas vivencias, se você for ver um cara que é da umbanda, na roda dele vai ter um símbolo ligado a religião, as musicas também em suas letras falando em umbanda, tem muito haver com isso. Mas se você for para um pra um cara evangélico ele não vai cantar as musicas que fazem referencia as outras religiões, que falam em Iemanjá, que falando dos orixás, ele vai cantar as musicas deles, tocando berimbal, olha essa letra, “ É tanto que eu peço a Deus, é tanto que ele me dá, é tão pouco que eu mereço, mas não deixa nada faltar.”
Redação: Já teve algum momento exótico, em que pessoas de terreiros, chamou vocês pra alguma roda deles.
Mororó: Sim já participei sim. Nós temos o mestre baleia, em fortaleza, ele é da Umbanda, e o atabaque lá só quem toca é ele, é dele, diz ele que ninguém pode tocar no atabaque, é sagrado, eu não creio, mas eu respeito; e na casa dele, tem a casa dos orixás também, e é na casa de um orixá lá, que é feito a roda de capoeira. E o clima é bem pesado, pela historia que ele conta, pela vivencia que eles tem lá dentro, mas assim, tenho 20 anos de capoeira, e eu te digo de coração, nunca baixou nenhum orixá em mim não, (risos), vai depender muito do que você acredita. É tanto que hoje nós temos, um trabalho, dentro da Igreja Revivar, que o pastor, junto com minha aluna Juma enfrentaram muito preconceito com isso, mas que venceram tudo isso e que vem conseguindo e sobre um evento importante ela quem criou esse evento. Capoeira Resgate, ela faz uma vez por mês na casa de um aluno, com as crianças da vizinhança, não necessariamente evangélica, é uma roda onde todos podem participar.
Redação: esse bate papo esta chegando ao final então vamos terminar com um jogo bem rápido pra você responder:
Um golpe: armada dupla
Um mestre: Marrodo
Um Cantador: Boa Voz
Um lugar: Iguatu
Uma musica: é tanto que eu peço a Deus
Uma frase: “Na vida se cai e se leva rasteira, quem nunca caiu não é capoeira”.
Redação: Mensagem aos capoeiristas aos jovens e aos internautas do RRInterativo.
Mororó: Se você não tem nada pra fazer e está nesse mundão ai, e está lendo essa mensagem, praticando esporte seja judô, capoeira, jiu jitsu, Muay thai, futebol, faça com o coração, faça pra si mesmo, não faça para os outros, procure ser melhor a cada dia, treinando se dedicando, por que num futuro bem próximo você vai poder olhar pra trás, e ver que valeu tudo a pena, o que passou e o meu conselho para os pais, que os pais venham conhecer o trabalho, venha conhecer o espaço, não mande só seu filho não, venha conhecer o trabalho, venha conhecer o Mororó, venha conhecer a família nova geração, venha opinar, venha conversar sobre seu filho , pra gente poder junto, formar cidadãos, o Mororó só não forma cidadão não. Mas junto com a família, fica muito mais fácil.
Autor: Rogério Ribeiro/Fotos: Renata Célia