Reuniões do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura são canceladas por ausência de integrantes do governo federal

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Especial Brasília 60 anos. Sérgio Lima/Poder360 21.04.2020

Membros da sociedade civil alegam boicote do Executivo a encontros marcados para esta quarta (9) e quinta-feira (10), em Brasília. Governo federal ainda não se manifestou.

Duas reuniões do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNCPT) foram canceladas após representantes do governo federal não comparecerem aos encontros, marcados para esta quarta (9) e quinta-feira (10), em Brasília. O quórum mínimo é de 14 pessoas, o que não foi cumprido em nenhum dos dias.

O CNPCT é um dos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT), criado pela Lei Federal nº 12.847 e pelo Decreto n° 8.154, ambos de 2013. Os membros do comitê são responsáveis por acompanhar e propor ações de erradicação da tortura no Brasil. Atualmente, o grupo é composto por 11 integrantes da sociedade civil e 11 do poder público

Para os integrantes da sociedade civil, há boicote por parte do governo. “Não houve justificativa formal. Existe um gasto público para nós estarmos aqui”, afirma Sofia Fromer, vice-presidente do comitê e integrante do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC). O grupo divulgou uma nota pública em repúdio à situação.

g1 questionou o governo federal sobre as ausências na reunião e se haverá uma nova data para o encontro, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.

Nota pública

Com os 11 membros da sociedade civil e só dois do poder público, na quarta, e um, na quinta, a reunião não teve quórum suficiente para prosseguir. O encontro foi marcado há mais de dois meses e, entre os temas a serem discutidos, estava a transição de governo.

A nota pública contra a situação (veja íntegra abaixo) foi assinada por todos os membros da sociedade civil que compõem o comitê:

Conselho Federal de Serviço Social (CFSS);

Agenda Nacional pelo Desencarceramento;

Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP);

Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC);

Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP);

Associação de Amigos e Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade;

Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio;

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN);

Educafro;

Assessoria Popular Maria Felipa;

SOMOS – Comunicação, Saúde e Sexualidade.

Já os integrantes do poder público são compostos por:

Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial;

Secretaria Nacional de Proteção Global;

Ministério das Relações Exteriores;

Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos;

Ministério da Justiça e Segurança Pública (SENASP);

Ministério da Justiça e Segurança Pública (DEPEN);

Ministério da Educação;

Ministério da Defesa;

Ministério da Saúde;

Secretaria de Governo da Presidência da República;

Ministério da Cidadania.

“Alguns representantes governamentais alegaram choque de agenda, outros sequer apresentaram justificativa. A reunião contava com a presença de todos os membros da sociedade civil, que tiveram as suas passagens e hospedagem custeadas com recursos públicos”, diz o texto.

Segundo Sofia Fromer, as reuniões também podem acontecer na modalidade híbrida. “Mesmo que não estivessem aqui, ainda assim teriam a possibilidade de entrar na reunião de forma on-line”, explica a vice-presidente da CNCPT.

Ainda de acordo com a nota, além da transição de governo, o encontro trataria de denúncias de tortura em Goiás, Pernambuco, Minas Gerais, além da apresentação do relatório do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura sobre inspeção realizada em Alagoas.

Posse adiada e reuniões anteriores

De acordo com Sofia Fromer, os membros da sociedade civil que atuam no mandato atual deveriam ter assumido os cargos no ano passado, o que não se concretizou. “Foi um longo processo para tomar posse, que só ocorreu em junho deste ano. Foram nove meses sem [o comitê] existir”, conta.

Após a posse, o grupo se reuniu em duas ocasiões: em junho e em setembro deste ano. Apesar do quórum, a vice-presidente da CNCPT afirma que há dificuldade de diálogo com o governo federal.

“São trabalhos muito difíceis. O tempo todo, o governo usa a burocracia para impedir que o trabalho funcione. São usados argumentos legais para dificultar o encaminhamento dos trabalhos em si”, afirma Sofia Fromer.

Nesta semana, apesar dos cancelamentos das reuniões, ela diz que os membros da sociedade civil mantiveram as audiências públicas para discussão de denúncias de tortura em estados brasileiros. Por causa dos gastos, o grupo não prevê, no momento, que as reuniões sejam remarcadas.

Veja íntegra da nota pública divulgada nesta quinta-feira:

Os membros da Sociedade Civil do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura repudiam o boicote do Governo Bolsonaro à última reunião presencial do plenário agendada para o dia 09 de novembro de 2022, em Brasília.

A reunião estava marcada há mais de 02 meses e a sua instauração demanda o quorum mínimo de 14 membros.

Apesar de o plenário ser composto por 12 membros da sociedade civil (1 cargo está pendente de preenchimento) e 11 do governo, apenas dois membros do Governo compareceram à reunião, o que impediu a sua instauração. Alguns representantes governamentais alegaram choque de agenda, outros sequer apresentaram justificativa. A reunião contava com a presença de todos os membros da sociedade civil, que tiveram as suas passagens e hospedagem custeadas com recursos públicos.

A pauta iria tratar de assuntos como denúncias de torturas em Goiás, Pernambuco, Minas Gerais e apresentação de relatório do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura sobre inspeção realizada em Alagoas. Conselheiros também iriam tratar da transição de governo na pasta de Combate à Tortura e novos editais de seleção de perito do MNPCT e membro da sociedade civil do CNPCT.

O fato integra um conjunto de constantes atos de desmonte do Sistema de Prevenção e Combate a Tortura, reiteradamente praticados durante a gestão do Governo Bolsonaro que sucatearam o prosseguimento de pautas de combate e prevenção à tortura, além de manifesto desrespeito à política de combate à tortura assegurada na Constituição Federal, em normas nacionais e internacionais.

Autor: Da redação com   Arthur Stabile e Iana Caramori, g1/Foto: divulgação