Minha mãe contava seus anos pelos carnavais. Ela me dizia: – meu filho são muitos carnavais. Como quem dizia já vivi muito. Vivenciou os bailes nos clubes sociais da cidade onde os amigos e familiares organizavam os bloquinhos com suas fantasias padronizadas.
Na época, o clorofórmio do lança perfume aspergido no salão alucinava os foliões sob o efeito do rum Montilla, do whisky ou da cerveja consumando o êxtase dos ébrios. O tempo foi passando e a festa dos clubes desapareceram e o público migrou para o carnaval nas praças das cidades litorâneas onde a juventude curtia as brincadeiras do mela-mela, os trios elétricos e as barracas de praia. Ainda lembro do cartaz que um primo colocou no corpo com uma seta apontada para a região pélvica: Virgindade dá câncer, vacine-se aqui”.
Isso no tempo que ainda existiam adolescentes assim, creio eu. Já minha mãe com o peso da idade optou em apreciar os três dias de desfiles das escolas de sambas do Rio de Janeiro. Ela varava a madrugada em frente à televisão curtindo a beleza lúdica das escolas com suas alas, alegorias, carros, adereços, sambas e fantasias do maior espetáculo aberto da terra. E me dizia: – ah ! se fosse viva para o próximo carnaval.

Esse era o grau de permissividade que ela se permitia, já que no período do Natal se dedicava a organizar inúmeras festas para os pobres. Nesse compasso dicotômico vivenciava uma ânsia de vida e de morte e, dessa forma, chegou aos 91 anos. Eu que já vivi vários carnavais de muita folia, de retiros espirituais, de jejum terapêutico, de dança circular, de contato extraterrestre, etc..
Quero hoje distância do fuzuê carnal ou espiritual e me reservo a observar sem julgamento a luz e a sombra que em mim reside chegando a uma conclusão fatídica: “Enquanto há tesão, há esperança”.
O meu negócio agora antes que ele morra definitivamente é aproveitar o tempo porque dizem que começamos a morrer quando paramos de sonhar e para tanto é preciso tesão antes que me apareça a morte ou coisa parecida e me arraste ao fim da vida. Assim embarco na mesma dialética minha mãe e me pergunto: – quantos carnavais me restam? Nas contradições da ânsia de morte e de vida vou seguindo os rastros dela que sempre fez para extrair do agora a melhor canção da vida. São muitos carnavais. CARPEM DIEM
Por F J Caminha- Francisco Caminha é bacharel em direito, professor, escritor e cronista. Especialista em Ciência Política pela Universidade de Lisboa/Fotos: divulgação