‘Fotona’ de nu artístico reúne 115 pessoas no Museu da República de Brasília

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Nu coletivo no centro da capital federal foi registrado pelo fotógrafo Kazuo Okubo. ‘Fotona’ é recorde em número de pessoas no Centro-Oeste, segundo organizadores.

Debaixo de um céu sem nuvens em uma praça ampla de cimento e concreto, havia corpos nus. Sem roupa e sem pudor, 115 homens e mulheres compuseram a cenografia da Praça do Museu da República, no coração de Brasília, na manhã deste sábado (2).

A intervenção no espaço urbano foi registrada pelo olhar do fotógrafo Kazuo Okubo, que carrega 43 anos de experiência por trás das lentes.

Reconhecido pelo trabalho sensível com a nudez, ele ficou responsável por captar o momento histórico – esta foi a maior foto de nu artístico do Centro-Oeste em número de pessoas, segundo os organizadores.

Do alto de um guindaste a 20 metros de altura, o fotógrafo, munido de um alto falante, coordenou os participantes para formar desenhos. Um drone também registrou a intervenção.

A “fotona”, assim chamada pelos idealizadores, ocorreu a céu aberto na região de maior concentração de ternos e gravatas de Brasília como forma de protesto à “caretice e ao conservadorismo da cidade” e para “reafirmar os corpos enquanto ferramenta de manifestação artística, cultural e política”.

Segundo o idealizador da foto-protesto, Diego Ponce de Leon, a ideia de fazer um nu coletivo e registrar o momento surgiu da vontade de “contrariar o panorama retrógrado e careta da cidade opressora que não abarca a arte”.

O projeto da “fotona” ganhou força quando o artista paranaense Maikon Kempinski foi detido pela Polícia Militar do DF, em 15 de julho, justamente enquanto fazia uma performance nu no mesmo local.

“Estava cansado dessa ideia de que em Brasília ninguém se esbarra, onde o conservadorismo toma conta”, disse na abertura do evento. “O grande problema [na apresentação do Maikon] era só um corpo nu.”

‘Fotona’

O fotógrafo Kazuo Okubo recepcionou os participantes emocionado e agradeceu a presença de todos. “Eu nem consegui dormir direito ontem. Esperava umas 50 pessoas. É legal isso ter mobilizado tanta gente”, disse.

“É uma oportunidade de mostrar a arte na nossa vida.”

Em seguida, o desapego começou. No auditório do Museu da República, todos começaram a tirar as roupas, nos próprios assentos. Risos, conversa, descontração. Nenhum olhar assustado, de medo, de repressão. Liberdade de expressão.

Já do lado de fora, em frente à rampa do museu, o fotógrafo Kazuo Okubo posicionou os participantes em formato de mandala cujo centro era o artista Maikon K.

Em seguida, todos se deitaram na rampa, de barriga para cima. Com canetas, escreveram frases no corpo e se organizaram em retângulos, como um quebra-cabeça.

A ação deste sábado foi organizada em parceria com o festival internacional de teatro Cena Contemporânea, que convidou o artista para voltar a Brasília e repetir a performance exatamente como havia tentado fazer, em praça pública. A apresentação, “DNA de Dan”, será realizada às 17h.

Para evitar que o nu coletivo fosse impedido, mais uma vez, por policiais (ou mesmo por pessoas comuns), os organizadores conseguiram autorização da Secretaria de Segurança, que montou um alambrado para demarcar a área onde a intervenção ocorreu.

Preparação

Antes de abandonar as roupas, os participantes da “fotona” assistiram a uma fala do artista paranaense, que comentou a forma como a nudez é encarada socialmente. “Fico pensando por que esse corpo nu ainda assusta tanta gente. Cada um quer um pedaço dele, quer legislar sobre ele. A política, a igreja, a família, a escola.”

“Esses poderes são falsos, porque antes deles o corpo já estava aqui. É o único poder real que cada um tem.”

Segundo ele, é papel da arte, em essência, devolver ao corpo o poder que lhe foi tirado por essas instituições, “para que possa se expressar de maneira que não lhe é permitido em outros espaços.”

Sobre a reação dos policiais e de algumas pessoas que se manifestaram contrárias à performance de nu em julho, Maikon K. disse que o “medo” do corpo despido reflete a força dos poderes institucionais sobre o imaginário coletivo.

“A nudez serve como espelho. Aquilo pode ser tudo menos erótico, porque passo uma substância que vai me deformando. A pessoa projeta coisas dela no meu corpo.”

“A nudez é associada ao obsceno, porque o corpo é muito usado na nossa sociedade como objeto sexual.”

Em seguida, dois participantes se manifestaram sobre o tema:

“Um simples ato de nudez é obsceno, mas a ejaculação em uma mulher não constrange.”

A fala refere-se ao caso do homem que ejaculou em cima de uma mulher dentro de um ônibus em São Paulo, na última terça-feira (29). Ele foi preso e liberado em audiência de custódia, porque o juiz entendeu que não houve “constrangimento tampouco violência”.

Neste sábado (2), o homem foi preso novamente por atacar outra passageira dentro de um coletivo na região da Avenida Paulista.

“O arte do corpo nu ser enquadrada como ‘atentado violento ao pudor’ é lamentável.”

Quem participou?

Para a jornalista Mariana Alves, de 24 anos, a “fotona” foi uma oportunidade para manifestar a liberdade artística do corpo como expressão. “Nada melhor que o nu para provocar e movimentar a resistência artística de Brasília.”

“Principalmente expressar o meu nu, que é uma poesia que vai além de mim.”

O bailarino Lucas Ribeiro, de 19 anos, decidiu participar de última hora. “Eu tinha vergonha do meu corpo. Perdi quando fiz uma sessão em uma cachoeira aqui perto.”

Desta vez, no entanto, o nudez tinha um propósito maior. “É uma quebra de tabu. A gente tem que mostrar que não é porque é nudez, é sexual. Nós fazemos arte.”

 

Autor: Da redação com Luiza Garonce, G1 DF Foto: Luiza Garonce/G1/Kazuo Okubo/Divulgação.