Conheça novas recomendações para prevenir um AVC

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cabecaEm 2010, conheci uma moça cheia de ambições. A engenheira Fernanda Tescarollo queria voltar a lavar o rosto com as duas mãos. Queria ser capaz de imitar o Cristo Redentor, com os braços bem abertos, para corresponder a um abraço. Paulistana, mas apaixonada pelo Rio de Janeiro, queria se equilibrar sobre o salto alto e voltar a sambar na quadra da Mangueira. Exatamente como fazia até 2008, quando um acidente vascular cerebral (AVC) a obrigou a parar tudo e rever tudo. “Se você não aprende a parar, a vida te para”, dizia.

Fernanda, 36 anos, faz parte de um grupo pouco conhecido de vítimas do AVC: o das mulheres jovens. Perfeccionista, independente, duas vezes divorciada, Fernanda progrediu rápido na carreira. Era um exemplo da atual geração de profissionais aparentemente superpoderosas. Trabalhava numa multinacional e vivia um período de forte pressão. Aos 31 anos, no auge da produtividade, sofreu um derrame.

Há poucos dias, a Associação Americana do Coração divulgou nos Estados Unidos diretrizes específicas para o sexo feminino com o objetivo de prevenir derrames. É a primeira vez que faz isso. Antes tarde do que nunca. Bem que o Brasil poderia se inspirar e lançar um alerta oficial claro e contundente.

As doenças cardiovasculares (o AVC é uma delas) são a principal causa de morte no Brasil e no mundo. Quando não mata, um derrame pode deixar graves sequelas. Ele afeta homens e mulheres, mas alguns fatores de risco são mais comuns no sexo feminino ou ocorrem apenas em mulheres. Os principais:

Pílula anticoncepcional

Muitas mulheres (ou adolescentes) começam a tomar pílula por conta própria. É um erro que pode ser fatal. Antes de adotar um contraceptivo oral, é fundamental saber a quantas anda a pressão arterial e se há casos de trombose na família.

Os hormônios aumentam a capacidade de coagulação do sangue. O mesmo pode ocorrer quando a mulher faz reposição hormonal na menopausa. Quem toma pílula ou faz reposição hormonal está mais sujeita a sofrer de trombose (formação de coágulos no interior de um vaso sanguíneo). A trombose pode levar ao AVC. Na maioria dos casos, as moças que sofrem um AVC não sabiam que tinham predisposição genética à trombose.

Pílula e Cigarro

Péssima combinação. Ela eleva em oito vezes o risco de AVC. O sangue dos fumantes torna-se mais propenso à formação de coágulos e a nicotina também enrijece as artérias que irrigam o cérebro. A mensagem é clara: mulheres que fumam não devem tomar pílula. Quantas sabem disso? Fumar contribui para um a cada cinco derrames nos Estados Unidos, segundo o Centro de Controle de Doenças (CDC). Aqui, o depoimento em vídeo de uma fumante que sofreu um derrame.

Enxaqueca

É três vezes mais comum nas mulheres. É um fator de risco para o AVC, principalmente quando ocorrem dormência e sintomas visuais (chamados de “aura”). Quando a paciente apresenta vários fatores de risco, a situação é ainda mais preocupante. Nas mulheres que têm enxaqueca, fumam e tomam pílula, o risco de AVC é 22 vezes mais elevado.

Hipertensão

É a principal causa de AVC em homens e mulheres de qualquer idade. Uma das melhores formas de preveni-la é reduzir o sal na alimentação. Segundo uma pesquisa da Universidade da Califórnia, um esforço nacional que resultasse na redução diária de apenas 3 gramas de sal seria capaz de evitar no mínimo 60 mil derrames por ano. No Brasil, onde as pessoas se alimentam cada vez pior e fazem pouca atividade física, o número de casos de hipertensão e AVC tende a aumentar. Inclusive, entre os jovens.

Gravidez

A maternidade torna a mulher mais suscetível ao AVC – ainda que ele não seja comum. Durante a gestação, a quantidade de sangue no organismo aumenta alguns litros. O risco de derrame aumenta no último trimestre de gestação e logo após o parto. A maior preocupação é a pré-eclâmpsia, um problema caracterizado pela elevação drástica da pressão arterial. Ele ocorre em 5% das gestantes. A pré-eclâmpsia dobra o risco de AVC e eleva em quatro vezes o risco de hipertensão depois da gravidez. Mulheres hipertensas devem passar por rigoroso acompanhamento médico antes, durante e depois da gravidez. Existem medicações capazes de reduzir o risco de AVC.

Quando conheci Fernanda, ela se dedicava com disciplina à fisioterapia. Estava pronta para estrear um carro novo, adaptado para pessoas que dirigem apenas com a mão direita. Quase quatro anos depois, ela comemora lentos e importantes progressos.

Ganhou independência, graças a um carro automático, equipado com um pomo no volante. É uma bolinha que ajuda o motorista nas manobras. Dirige normalmente na cidade e em estradas. É xingada constantemente pelos motoristas impacientes – apesar do adesivo de deficiente colado no vidro traseiro. “Ninguém respeita”, diz.

Fernanda releva a chateação. Tem mais o que fazer. Persiste na luta por movimentos mais amplos e independentes. Há dois anos, fez uma cirurgia na perna esquerda. O objetivo foi alongar o tendão da perna paralisada desde o AVC. Caminha melhor, sobe e desce escadas e até consegue dar pequenos trotes na esteira ergométrica.

Ainda não consegue usar o salto agulha da foto desta página, mas já se equilibra sobre um salto quadrado, de 5 centímetros. Não será neste Carnaval que Fernanda estará de volta à quadra da Mangueira, mas há 15 dias dançou com o pai uma baladinha dos anos 50 na formatura da irmã.

Na volta da última licença-médica, Fernanda foi demitida da empresa em que trabalhava quando sofreu o AVC. Os novos planos profissionais incluem a abertura de uma loja de roupas de ginástica e de camisolas sexy para gordinhas.

Ela não abre os braços como o Cristo Redentor, mas abraça Flávio, o novo namorado, por baixo do ombro. A mão esquerda continua fechada, mas o gesto carinhoso é completo.