Resistência de escolas deixa “no limbo” crianças com deficiência

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Sindicato luta na Justiça contra Estatuto que obriga centros particulares a aceitarem matrícula

Há oito meses, pouco depois que recebeu o diagnóstico de autismo de seu filho mais novo, a vida da coordenadora de processos C.A.L, de 31 anos, resume-se a reuniões na escola e a uma verdadeira luta para conseguir a inclusão do seu filho. Também mãe de outro menino na mesma escola tradicional da zona leste de São Paulo, C.A.L não quer se contentar apenas com a “convivência” de seu filho com outras crianças. Quer fazer valer a mensalidade de R$ 900 também na esfera pedagógica.

— A escola mostrou-se completamente desestruturada e desinteressada para atender às necessidades básicas do meu filho. Fizemos reuniões e só percebi uma preocupação sobre como não assustar outros alunos quando ele chorasse ou fizesse birra. Sinto como se a escola estivesse prestando um favor ao tentar entender nossa situação.

A luta da coordenadora de processos é a mesma de inúmeros pais de crianças com necessidades especiais. Poucas escolas regulares se mostram dispostas a acolher esses alunos e trabalhar os benefícios da diversidade.

O que pode ajudar a amenizar esse cenário é o Estatuto do Deficiente, sancionado em julho deste ano. Entre os artigos está a obrigatoriedade de escolas públicas e particulares aceitarem alunos com qualquer tipo de deficiência, além de não cobrarem nada a mais por isso.

O assunto incomodou a Confenen (Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino), que representa as escolas particulares de todos os graus. A entidade entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal) contra a medida, questionando a obrigatoriedade de matricular alunos com deficiência.

No texto, a confederação argumenta que a responsabilidade desse tipo de educação é da gestão pública e que a lei poderia onerar as escolas e frustrar professores sem capacitação.

Um dos trechos diz: “[…] jogam ônus dos sobrecustos para a escola particular e para todos seus demais alunos, alterando injustamente o orçamento familiar, com verdadeira expropriação; frustram e desequilibram emocionalmente professores e pessoal da escola comum, regular, por não possuírem a capacitação e especialização para lidar com todo e qualquer portador de necessidade e a inumerável variação de cada deficiência; causarão o desemprego e o fechamento de escolas particulares; lançam sobre a iniciativa privada encargos e custos de responsabilidade exclusiva dos poderes públicos […]”

Os argumentos usados pela confederação foram como um “soco no estômago” das famílias que sofrem para conseguir um lugar digno para seus filhos com deficiência estudarem. Até encontrarem a escola certa, muitos pais batem de porta em porta, como se pedissem, na fala delas, um verdadeiro favor aos colégios.

Inclusão

Não importa a deficiência da criança, as histórias e queixas dessas famílias são muito semelhantes. Sempre tem uma escola regular que prefere repassar aos pais, por meio da pressão, a responsabilidade de tirar a criança da escola. São comuns lamentações em forma de “boa intenção” em reuniões, muitas vezes, sem hora para acontecer, como conta C.A.L.

— Fui chamada diversas vezes para reuniões com a psicóloga responsável do local e a coordenação infantil e costumo ouvir como meu filho atrapalha a aula, dispersa outras crianças e influencia na logística da turminha. Já mandaram eu procurar outra escola também. Se eu soubesse que meu filho era autista no ato da matrícula, tenho certeza que a escola não o aceitaria.

Para Neide Noffs, psicopedagoga e diretora da faculdade de Educação da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), os pais têm que tentar reconhecer a intenção da escola quando ela diz que não tem estrutura para atender um aluno com déficit.

— Os pais precisam se atentar se a escola não tem reais condições de atender àquela criança ou não a atende porque a considera ameaçadora e assustadora. Tem casos de deficiência que precisam da presença de outro profissional em sala de aula, chamado de mediador. Não adianta apenas receber o aluno e não ter a estrutura necessária para o desenvolvimento pedagógico, que inclui, às vezes, além de um professor capacitado, material de estudo exclusivo. A criança não pode ser apenas integrada, ela tem que ser incluída.

“Falta vergonha”

Apesar das barreiras a serem vencidas pelas escolas regulares para receber crianças com necessidades especiais, a deputada federal Mara Gabrilli, critica a resistência de algumas instituições.

— Está faltando educação, vergonha e vontade das escolas regulares. Existem escolas e empresas que cumprem com maestria a inclusão. O que elas têm em comum é a boa vontade, a qualificação das pessoas e a reestruturação de suas instalações. É um absurdo que uma família que não tem uma criança com deficiência possa escolher onde quer que o filho estude e que esse direito não se estenda às famílias que têm pessoas com deficiência.

Para a psicopedagoga e diretora da faculdade de Educação da PUC-SP, as escolas regulares resistem à inclusão por causa das consequências estruturais que elas trazem. Neide explica que as escolas particulares não podem ser pensadas apenas como empresas comuns e a missão educativa deve ser equilibrada com a parte financeira.

— Sabemos dos custos extras que a inclusão pode gerar, mas isso não pode ser um impedimento. É a hora de reestruturar toda a escola a partir do olhar da inclusão. Tem que promover a capacitação dos profissionais, mudar a lógica de organização e se atualizar em relação ao novo modelo de educação do País.

Apesar de saber a responsabilidade das escolas, a psicopedagoga destaca que os governos municipais, estaduais e federal têm que desempenhar um papel mais atuante na ampliação da educação inclusiva.

— Teria que rever os impostos, reconhecer essas instituições, criar subsídios, visando estimular as escolas.

Autor: Caroline Apple, do R7/Foto: Divulgação.