Em entrevista para o RR promotora de justiça diz “A falta de perspectivas realmente de educar o jovem é fator preponderante de criminalidade”

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Bom, acho que o grande problema da pratica infracional aqui no Iguatu, vem sendo justamente essa questão da ausência familiar.

Veja na integra a entrevista com a Promotora de Justiça Titular da 3ª Promotoria de Justiça, Dra. Helga Barreto.

RR: Como à senhora analisa o adolescente que comete o ato infracional?

Promotora: Em verdade, trata-se precipuamente de um menor envolvido com problemas familiares, vista-se um verdadeiro clichê o Estado Brasileiro de que todo tipo de criminalidade mormente a infanto-juvenil ela esta ligada a falta do estado, não que ausência do estado ela não corrobore com a pratica delitiva em qualquer esfera, mas indubitavelmente, precipuamente na área da infância, nós percebemos que o jovem comente ato infracional são, em suma, aqueles com famílias desestabilizadas. Dificilmente você ver um adolescente cometendo ato infracional que possua uma família onde ele receba amor, carinho, geralmente são aqueles jovens que são criados por avós, que o pai e a mãe, ele não conheceu o pai, a mãe saiu da cidade, e é criado por uma avó, o pai faleceu, ou deixa com a vizinha, e essa situação de abandono ela vai se perpetuando, o menor cresce e vira adolescente com um sentimento de revolta de onde não se sabe como se surge, eclode dentro dele e ele começa essas posturas agressivas, a esta pouco se lixando para o outro e começa a práticas todo uma serie de delitos. Então é mais do que o Estado eu vejo como, intrinsicamente ligada a essa questão do cometimento de ato infracional por adolescente, a questão familiar.

Dra Helga 1

RR: Quais os casos mais frequentes que passam pela sua Promotoria?

Promotora: Os casos mais frequentes que agente pode relatar são justamente aqueles que não têm maiores repercussões; pequenos furtos, pequenas discussões que geralmente agente concede aquele estudo da remissão que é uma figura prevista pelo ECA, que deve ser aplicado naqueles casos de atos infracionais com menor potencial ofensivo, os que viram processo e vão para a justiça que viram processo de apuração de ato infracional são aqueles mais graves, como roubo, estupro, homicídio, e outros. Agora, a maior parte de nosso atendimento de fato é construída desses pequenos delitos. É muito comum aqui no Iguatu, precipuamente os crimes de transito envolvendo menores, são muitos menores sem carteira, que obviamente não tem o direito de dirigir, conduzindo principalmente motos e ocasionando acidentes de transito e delitos de transito diversos.

 

RR: Com relação ao Conselho Tutelar, ao serviço de Assistência Social, ao Juizado de Menores, como funcionam os trabalhos destes com o Ministério Público?

Promotora: O ECA propugna uma rede integrada que funcione como todos os organismos envolvido na proteção da infância e juventude como você bem citou, de maneira integrada, então o Conselho Tutelar, cabe a ele justamente esse primeiro atendimento, recebendo as famílias e encaminhando primeiramente para os serviços de assistência social quando cabíveis, é obvio que em algumas situações, como por exemplo, que relata ao Conselho Tutelar que relata o estupro de sua filha ou que seu filho esta furtando, coisas que extrapolam a esfera da intervenção meramente social, coisa que de fato requer uma atuação criminal, o caso é reportado ao Ministério Público com essa finalidade. Como também pode chegar ao conselho tutelar relatos de abandono, da esfera cível, ou então, menores que tem pai e mãe vivos e estão fora e que estão sendo criados pela avó, ou uma vizinha, e precisasse regularizar essa guarda. A partir dessa demanda nós podemos procurar o judiciário, ou então tentar resolver de maneira extrajudicial, através de audiências aqui na própria promotoria. Muitas vezes nós conseguimos que determinadas situações, às vezes um parente extenso desse menor abandonado, assuma a criação desse menor.

RR: Que estrutura fundamental o estado criou para promover a proteção integral e a municipalização do atendimento das crianças e adolescentes?

Promotora: É justamente essa rede né, na verdade dessa rede talvez o Conselho Tutelar ele desponte, dentre os organismos que compõe essa rede, não pelo fato de ter mais ou menos poder e sim por caber a ele esse primeiro atendimento. Essa triagem de imediato é feita pelo Conselho Tutelar. Dai a importância do órgão, a autonomia que ele tem no seu caráter municipal e o quanto é importante as eleições como agente frisou naquela época na qual elas ocorreram, e a democracia na escolha desses conselheiros justamente devido ao papel primordial desse primeiro atendimento, ela é fundamental.

RR: Nós observamos em algumas ocorrências que os adolescentes participam dos crimes e a que o MPE atribui ai essas ocorrências com adolescente assumindo a culpa no lugar do adulto, que infelizmente é uma coisa corriqueira não só em Iguatu, mas no Brasil.

Promotora: é muito comum esse tipo de adolescente aparecendo pra confessar crime praticado por maior. Há um clichê, não necessariamente é verdade, que reverbera em nossa sociedade de que na verdade o menor não é responsabilizado, ele pode matar, roubar, estuprar que nada acontece com ele. E não é bem assim. Então muitas vezes baseado nesse tipo de crença, às vezes o menor que tem algum tipo de divida com aquela pessoa que praticou aquele crime assume espontaneamente a prática daquele ato e acaba vindo a pagar sempre baseado numa falsa ideia de que “ah não, mas pra tu isso não vai da em nada não” expressão usada por muitos, assim como eles se referem na tentativa de assunção pelo menor de responsabilidade que não são deles.

RR: Como à senhora observa a formação continuada das pessoas que compõem o Sistema de Garantia de Direitos, no caso Conselheiros Tutelares, Conselheiros e Juizados de Infância e Juventude?

Promotora: Essa é uma situação séria, agente observa que isso não vinha acontecendo. Que agente espera que seja principio básico da nossa legislação. E ano passado, na verdade desde que a lei determinou as eleições unificadas nacionais, foi determinado que obrigatoriamente todo município, com o fim das eleições, antes da posse dos novos conselheiros, fosse realizado um curso de formação, é claro que como você bem falou, a ideia é uma formação continuada até por que a reciclagem em qualquer carreira, qualquer profissão ela é fundamental, mas precipuamente nessa seara na qual os conselheiros tutelares assumiram e muitas vezes sem nunca ter lido o estatuto, só esse primeiro passo, inclusive pré-estabelecido pela resolução do CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, e esta sendo cumprido na maioria dos municípios, e a partir desse momento já foi um passo relevante.

RR: Nós também observamos que os jovens que estão praticando alguns delitos a maioria esta ocioso, é uma situação muito difícil, o poder publico não tem opção de lazer, seria também um atrativo a questão dos jovens não terem o que fazer, ficando solto na rua, uma questão muito preocupante aqui em Iguatu, ate porque agente observa que tem muitos espaços mas os jovens não estão sendo inseridos, inclusive existem alguns programas do estado e do município.

Promotora: Indubitavelmente, agente sabe que muitas vezes essa criminalidade é causada pelo ócio. Contudo eu vejo de outro ponto de vista, quando eu era adolescente eu também tive tempo ocioso, e eu não estava praticando crimes por que eu não tinha a liberdade que eu vejo aqui em Iguatu. Em audiências de atos infracionais agente tem a oportunidade de vislumbrar menores que passam que não aparecem em casa, e quando você pergunta pra mãe, porque procedimento de ato infracional a presença dos pais ela é obrigatória, e você interroga aquela mãe, “Mas minha senhora porque seu filho está com dois dias que não aparece em casa?” Meninos com 15 anos, e sabe qual a resposta que elas dão? “Ah é que ele é assim mesmo”, como é que um menino de 15 anos é assim mesmo? O que eu noto aqui no Iguatu e isso é uma coisa que se pode falar de maneira nacional, é a crise da identidade familiar de verdade, nós vemos mães e pais completamente despreparados para essa função, que claro longe de mim pretender dizer que é um papel fácil, papel de educar na sociedade tão complexa como a nossa é um papel que a cada dia é mais difícil, mas nem por isso pode ser usado como escudo para você saber onde seu filho esta. Cabe ao estado ter opções de lazer, dar estudo, mas quantos menores quando agente vai pegar o relatório, menino tem 13 faltas na escola e quando vai conversar com a mãe “Nam ele não gosta de ir pra escola, não!” eu acho que uma mãe que aceita uma resposta dessas do seu filho, não pode pretender depois atribuir a responsabilidade a quem quer que seja a responsabilidade é dela. Indubitavelmente!

RR: E pra finalizar uma mensagem pra população?

Promotora: Bom, acho que o grande problema da pratica infracional aqui no Iguatu, vem sendo justamente essa questão da ausência familiar, longe como já colocado em outros pontos dessa entrevista, de querer dizer que o estado não contribui de maneira qualquer para verificação desses atos, mas de maneira indubitável como dito, basta você acompanhar qualquer processo nessa seara, reflete claramente que a falta de estrutura familiar, a falta de limites, a falta de perspectivas realmente de educar o jovem é fator preponderante de criminalidade infanto-juvenil ao menos nessa cidade a qual eu venho trabalhando a mais de quatro meses então nesse sentido o recado que eu acho que pode ser dada a população, aos pais é que eduquem seus filhos, não ache que cabe a rua essa função, não achem que cabe ao estado, cabe aos senhores, se estiverem, tentem educa-los caso em qualquer dificuldade os aparelhos sociais, os equipamentos públicos têm funcionado, todos podem procurar o CRAS, procurar o CREAS, procurar a direção da escola, mas não se omita, eu tenho certeza que essa é uma cruz que vocês não vão gostar de carregar.

Autor/Fotos: Rogério Ribeiro