Aos gritos, ativistas pró e contra aborto rivalizam em comissão da Câmara

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Texto garante direito à vida ‘desde a concepção’, o que na prática pode proibir o aborto nas situações hoje permitidas. Deputados ainda precisam analisar destaques que podem alterar o texto.

Grupos de ativistas contra e pró-aborto se enfrentaram nesta terça-feira (21), com gritos e palavras de ordem, no plenário da comissão especial da Câmara que discute a inclusão na Constituição a garantia do direito à vida “desde a concepção”, o que, na prática, pode proibir o aborto nas situações atualmente previstas na legislação.

O texto-base já foi aprovado há duas semanas, por 18 votos a 1, mas falta a análise de destaques, com sugestões para alterar o seu conteúdo.

A reunião, convocada para as 14h, demorou quase duas horas para atingir o quórum necessário, de pelo menos 18 parlamentares. Após cerca de uma hora, a reunião foi suspensa porque deputados iniciaram sessão de votação no plenário principal da Câmara. Pelo regimento interno, as comissões não podem funcionar ao mesmo tempo que o plenário.

Em uma estratégia para derrubar a reunião por falta de quórum, deputados contrários à matéria foram até a comissão, mas não marcaram presença. Eles entendem que que o texto abrirá brecha para vetar o aborto inclusive nas circunstâncias permitidas.

Bate-boca

Antes da reunião, deputados chegaram a bater boca. A deputada Erika Kokay (PT-DF) ponderou que o texto inclui a expressão “desde a concepção da vida” em uma cláusula pétrea da Constituição e que, portanto, terá peso maior do que o Código Penal, onde estão as exceções para o aborto.

Em tom de provocação, o deputado Flavinho (PSB-SP), integrante da bancada evangélica, disse que ela não estava querendo proteger as mulheres. Kokay revidou e disse: “Vocês são mais desonestos do que eu pensava”.

O presidente da comissão, Evandro Gussi (PV-SP), tentou convencer o grupo contrário ao texto de que não era a intenção do relator, que ouvia a conversa ao lado, retroagir nos casos em que o aborto hoje é permitido.

Para tentar contornar a situação, Gussi sugeriu um acordo para que fosse votado num novo texto-base, com a previsão de que a matéria não mudaria as regras atuais em que o aborto é permitido. No entanto, não houve consenso.

Situações em que o aborto é permitido:

Em caso de estupro;

Quando há risco para a vida da mulher; ou

Se o feto for anencéfalo (não possuir cérebro).

Ao G1, o relator, deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), garantiu que o objetivo da PEC não é proibir o aborto, como no caso de estupro.

O foco, segundo ele, é derrubar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que ampliou as circunstâncias em que o aborto é permitido ao considerar que a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação não configura crime.

Reação ao Supremo

A comissão foi criada para questionar a decisão de uma das Turmas do STF, tomada em novembro de 2016, que não considerou crime o aborto feito até o terceiro mês de gestação.

Os ministros discutiam a revogação da prisão preventiva de cinco médicos e funcionários de uma clínica de aborto. A decisão valeu apenas para o caso específico, mas abriu um precedente para descriminalizar o aborto.

Pelo Código Penal, a mulher que aborta, fora das situações permitidas, está sujeita a prisão de um a três anos. Já o médico que fizer o aborto pode ficar preso por até 4 anos.

Em reação ao julgamento no Supremo, o presidente da Câmara criou no mesmo dia a comissão. Na ocasião, Maia afirmou que o STF tinha legislado no lugar do Congresso e, por isso, a Casa precisaria se manifestar.

O texto original, de autoria do senador Aécio Neves (PSDB-MG), tratava apenas de ampliar o tempo de licença-maternidade para o caso de bebês prematuros, mas os deputados aproveitaram essa matéria que já estava com a tramitação mais avançada e anexaram outra, sobre o aborto.

Se a proposta terminar de ser votada pela comissão da Câmara, seguirá para votação no plenário, em dois turnos. Em seguida, se o texto passar, a análise caberá ao Senado.

Protestos

Polêmica, a proposta gerou protestos pelo país assim que o texto-base foi aprovado. No dia 13 de novembro, manifestantes percorreram as principais vias do centro de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Amapá e Belém, além de outras capitais.

Autor: Da redação com Fernanda Calgaro, G1, Brasília/Foto: Divulgação.